Atividade de Estudo Dirigido – 8º e 9º
anos
Professor Alberto Ribeiro Rosa Júnior
Carlos Drummond de
Andrade
CASO DE RECENSEAMENTO
O agente do recenseamento vai bater numa
casa de subúrbio longínquo, aonde nunca chegam as notícias.
— Não quero comprar nada.
— Eu não vim vender, minha senhora.
Estou fazendo o censo da população e lhe peço o favor de me ajudar.
— Ah moço, não estou em condições de
ajudar ninguém. Tomara eu que Deus me ajude. Com licença, sim?
E fecha-lhe a porta.
Ele bate de novo.
— O senhor, outra vez?! Não lhe disse
que não adianta me pedir auxílio?
— A senhora não me entendeu bem,
desculpe. Desejo que me auxilie mas é a encher este papel. Não vai pagar nada,
não vou lhe tomar nada. Basta responder a umas perguntinhas.
— Não vou responder a perguntinha
nenhuma, estou muito ocupada, até logo!
A porta é fechada de novo, de novo o
agente obstinado tenta restabelecer o diálogo.
— Sabe de uma coisa? Dê o fora depressa
antes que eu chame meu marido!
— Chame sim, minha senhora, eu me
explico com ele.
(Só Deus sabe o que irá acontecer. Mas o
rapaz tem uma idéia na cabeça: é preciso preencher o questionário, é preciso
preencher o questionário, é preciso preencher o questionário) .
— Que é que há? - resmunga o marido,
sonolento, descalço e sem camisa, puxado pela mulher.
— É esse camelô aí que não quer deixar a
gente sossegada!
— Não sou camelô, meu amigo, sou agente
do censo.
— Agente coisa nenhuma, eles inventam
uma besteira qualquer, depois empurram a mercadoria! A gente não pode comprar
mais nada este mês, Ediraldo!
O marido faz lhe um gesto para calar se,
enquanto ele estuda o rapaz, suas intenções. O agente explica-lhe tudo com
calma, convence-o de que não é nem camelô nem policial nem cobrador de impostos
nem enviado de Tenório Cavalcanti. A idéia de recenseamento, pouco a pouco, vai
se instalando naquela casa, penetrando naquele espírito. Não custa atender ao
rapaz, que é bonzinho e respeitoso.
E como não há despesa nem ameaça de
despesa ou incômodo de qualquer ordem, começa a informar, obscuramente
orgulhoso de ser objeto, pela primeira vez na vida, da curiosidade do governo.
— O senhor tem filhos, seu Ediraldo?
— Tenho três, sim senhor.
— Pode me dizer a graça deles, por
obséquio? Com a idade de cada um?
— Pois não. Tenho o Jorge Independente,
de 14 anos; o Miguel Urubatã, de 10; e a Pipoca, de 4.
— Muito bem, me deixe tomar nota.
Jorge... Urubatã... E a Pipoca, como é mesmo o nome dela?
— Nós chamamos ela de Pipoca porque é
doida por pipoca.
— Se pudesse me dizer como é que ela foi
registrada...
— Isso eu não sei, não me lembro.
E, voltando-se para a cozinha:
— Mulher, sabes o nome da Pipoca?
A mulher aparece confusa.
— Assim de cabeça eu não guardei.
Procura o papel na gaveta.
Reviram a gaveta, não acham a certidão
de registro civil.
— Só perguntando à madrinha dela, que
foi quem inventou o nome. Pra nós ela é Pipoca, tá bom?
— Pois então fica se chamando Pipoca,
decide o agente. Muito obrigado, seu Ediraldo, muito obrigado, minha senhora,
disponham!
Fonte: Livro Para Gostar de Ler,
Crônicas, ed. Didática,
Carlos Drummond de Andrade, SP, Ática,
1978
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Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira, Minas Gerais, em 31 de outubro de 1902.
Estudou em Belo Horizonte e Nova Friburgo, formando-se em farmácia na cidade de Ouro Preto.
Durante a maior parte da vida foi funcionário público, embora tenha começado a escrever cedo e prosseguido até seu falecimento, em 17 de agosto de 1987 no Rio de Janeiro, doze dias após a morte de sua única filha, a escritora Maria Julieta Drummond de Andrade.
Além de poesia, produziu livros infantis, contos e crônicas.