segunda-feira, 9 de março de 2015

o princípio tudo era com caixa alta, assim mesmo, CAIXA ALTA. O latim, e sua imponência, não reconheciam as coisas menores. A palavra tinha sua força na representação clara da ideia. Então, as palavras se preservaram nos mosteiros, para fugir da barbárie, foram ser copiadas e mantidas por séculos e séculos na clausura monástica. Foi quando os monges, em suas vidas pacientemente regradas, criaram as caixas baixas para facilitar os textos manuscritos. As ideias então, apesar de grandes, preferiam a discrição dos traços minúsculos. Os monges artistas ornamentavam páginas e páginas com ricas Iluminuras, bordadinhas em escarlate a cada nova página, que se chamavam fólios. E os fólios carregavam cuidadosamente os significados perpetuados pela experiência humana e se capitulavam todo início de frase. Da inscrição em pedra para a maleabilidade do papiro, as palavras optaram pela fluidez. Evitou-se a rigidez. Chegou-se ser demodê escrever com maiúscula, era como alguém que aprendera a escrever às pressas. Sua complexidade resistia em poucas palavras, era como se fosse arcaico e glorificante. Nasce nesse tempo a famosa noção de usar as caixas altas para coisas importantes.
Centúrias fluíam pela clepsidra, a fluidez se esvaía pelo tempo. A concretude das gramáticas das línguas modernas forçava novas e novas regras. Tudo isso enterrava o latim. As funções gramaticais, que eram marcadas por casos e declinações e toda a magia da lógica própria da vestuta língua, renderam-se às ordens diretas, pontuações e maiúsculas que passaram a figurar no início de toda frase. Os frios e sisudos saxões ainda usaram as caixas altas a todos os substantivos; os latinos, mais quentes e amantes, foram comedidos no uso das mesmas. Veio a onda da internet, nela as regras de quase tudo se modificaram, inclusive as das relações. Ama-se perdidamente alguém de Milão. Conversa-se mais intimamente com alguém lá da Síria. Países além da Cochinchina passaram a compor os mapas mais pessoais. Os diários migraram de sua solidão trancafiada para um ermo pluri-observado de fãs afeitos às diversas ideias. As redes sociais não pescam pessoas. Elas ligam ideias. E o cansado escritor, das ideias mais recatadas, optou por fugir da norma, até porque só as Normas valem a pena, mas não as normas. Ele usou a caixa baixa para passar despercebido em meio a tanta expressão tão mais relevante na insensatez contemporânea.

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